Frei Hermínio Araújo: “É possível amar sem possuir. É possível amar sem destruir”
São muitos os receios sobre a forma como os Estados Unidos da América se irão posicionar em relação, por exemplo, à questão das alterações climáticas. Donald Trump toma posse já no dia 20 de janeiro. Os tratados e os acordos de defesa do ambiente correm sérios riscos? Há razões para temer o futuro?
Eu acho que há razões para temer em relação ao futuro, sim. Claro que uma coisa é o otimismo e outra coisa é a esperança. Há razões até para sermos algo pessimistas. Agora, vistas todas estas coisas numa perspetiva mais abrangente, há avanços e recuos, certamente. Francisco tem esta proposta, há visões pouco em sintonia com esta proposta, sim. Mas fica sempre, de facto, esta mensagem. É sempre uma semente de esperança que podemos ir lançando com este Cântico.
Mas a visão de Trump aproxima-se de forma substancial desta posição da subjugação da natureza à vontade do ser humano?
Sim, sim. Aliás, a gente conhece alguma fundamentação, mesmo antropológica, cultural, religiosa. Há visões religiosas nada em sintonia com esta visão, podemos dizer, teológica de Francisco e do Papa Francisco.
Falava, há pouco, da “Fratelli Tutti”. Num mundo marcado pela tecnologia, esta descoberta também do outro como irmão é uma mensagem central?
É uma mensagem central e também do Cântico das Criaturas.
Porque se fala sempre em irmão, irmã…
Exatamente. A “Laudato si” toca um aspeto do Cântico, mas a “Fratelli Tutti” vem completar muitas outras coisas que também estão lá, nomeadamente o ser humano, porque se na primeira parte da intervenção na “Laudato si” toda a parte inicial é centrada no cuidado da casa comum, na “Fratelli Tutti” é o cuidado do ser humano, a fraternidade humana, nas mais diversas dimensões.
Aliás, é um documento muito próximo da declaração de Abu Dhabi, aquela célebre carta da fraternidade, que é incluída também na “Fratelli Tutti”. A declaração de Abu Dhabi é quase um compromisso, digamos assim, inter-religioso pela fraternidade, em favor da fraternidade entre católicos e os muçulmanos. E há um outro texto também que eu gostava neste contexto de evidenciar, que é o discurso do Papa Francisco em Ur em 2021, aquando da visita ao Iraque. Ur é a pátria de Abraão, na Mesopotâmia. O Papa disse que, tal como o Abraão, nós temos de nos deixar interpelar pela sua atitude, olhar para o céu, contemplar as estrelas, para caminhar de uma forma mais consistente sobre a terra. Isto é muito significativo, porque não podemos falar de irmãos sem pai. E vem sublinhar um aspeto, por exemplo, no último capítulo da “Fratelli Tutti”, em que já se aborda a questão da transcendência, da experiência da transcendência, na relação com a fraternidade. Esta dialética, podemos assim dizer, entre transcendência e imanência, a experiência da paternidade a Deus e da fraternidade humana.
Nesse contexto, nesse discurso de Ur, o Papa Francisco vem sublinhar e consolidar todo este pensamento, quer da “Fratelli Tutti” quer da “Laudato si”.