Um adeus português

Musk, um dos homens mais ricos do mundo, e um elemento-chave da nova equipa governativa americana, decidiu juntar à sua impressionante ação empresarial a intervenção ativa na política interna de diversos países. No papel de “influenciador” global apoiado pelas redes sociais, desvaloriza fronteiras, e interage com aqueles de que discorda, ou que detesta, quer se trate do líder da direita nacionalista britânica Farage, ou do social-democrata alemão Scholz. Dada a sua história de vida, devemos levá-lo a sério porque estes atos, que parecem insensatos, podem ser o vislumbre de uma nova era.

Vemos assim quebrada a separação hoje existente entre os domínios nacional e internacional na condução da política e da lei, que está delimitada pela ideia de soberania. A constituição de Estados e a atribuição da autoridade a uma pessoa, ou a um coletivo de pessoas, para determinar e aplicar a lei, foi um conceito fundador que marcou a construção das nacionalidades. Os países politicamente estáveis são um universo de partilha de riscos e de vantagens, que os cidadãos reconhecem, e o patriotismo, apesar de ter conhecido melhores tempos, e ter sido parcialmente relegado para os acontecimentos desportivos, ainda existe. É por isso que a relação entre países é gerida de uma forma diferente, e a ingerência noutro país é considerada uma ofensa a esta ordem mundial.

Será que as redes sociais e a globalização digital já erodiram completamente os conceitos de soberania, interesse nacional, e autodeterminação? É verdade que o policiamento do discurso público e a dificuldade de as nações europeias assumirem por inteiro o seu passado e os seus símbolos, é meio caminho andado para o seu fim. É também verdade que a globalização, com todos as vantagens económicas que trouxe, contribuiu para a menorização do valor da solidariedade nacional. Que os grandes fluxos migratórios criam questões adicionais de perca de identidade cultural. E que na Europa a criação incompleta de uma União, de geometria crescente e instável, juntou mais umas achas a esta fogueira, com constantes oscilações entre a europa das regiões e a europa dos países e a inexistência de facto de “patriotismo europeu”.

Não por acaso a ação de Musk acontece ao mesmo tempo em que se observa a erosão do papel mediador das Nações Unidas no consenso entre Estados. A ONU cultivou a igualdade entre as nações como princípio, e as melhores intenções num sentido muito ocidental. Procurou controlar conflitos e proteger populações, foi intransigente nas palavras, e chegou a movimentar forças significativas no terreno, tendo tido um papel central nas últimas oito décadas. Estruturada a partir da correlação de forças que saiu da segunda guerra mundial num mundo muito eurocêntrico, tem-se mostrado incapaz de lidar com os novos poderes, agora que as antigas “potências” defensoras da democracia liberal se reduzem à sua real dimensão.

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Com todos os seus defeitos, uma ordem mundial equilibrada precisa de se basear na defesa do valor das nações e da sua cultura, e na procura de entendimentos entre estas e entre comunidades que pensam e agem de forma diferente, aceitando-se essas diferenças. O entendimento pode basear-se apenas na negociação dos interesses próprios, à semelhança do que ocorre no mundo empresarial ou desportivo, ou carregar em si considerações de outra índole: morais, éticas, antropológicas, que sei eu.

O apagamento do papel da ONU e a multiplicação de fóruns alternativos do tipo “G qualquer coisa”, com mais ou menos países é um sintoma de uma doença grave do sistema internacional que urge colmatar.

A intervenção direta de alguém que tem um papel muito importante na administração americana, nas escolhas políticas de países europeus que teoricamente são os seus melhores aliados, parece ser um fator de instabilidade. Poderá ser uma situação pontual, e a marca de um estilo muito pessoal, ou então uma nova regra que se está a consolidar. Na verdade, ocupa um espaço que está vazio, uma autoridade que falta, e ainda é muito cedo para ser qualificada. Cabe à Europa repor a sua autoridade. Cabe a Portugal não esquecer nem a sua ligação europeia nem a sua geografia atlântica.

As nações, como as conhecemos hoje, poderão ser um modelo que a realidade vai ultrapassar. A criação de grandes blocos geopolíticos como atores únicos da política mundial passa necessariamente pelo esbater das diferenças entre as nações que os compõem, reescrevendo-se o passado em nome de um futuro comum. Se tal acontecer uma parte muito importante da nossa identidade e da nossa liberdade ir-se-á perder.

Reclama-se uma nova ordem mundial, mas ela será bem diferente das expetativas. As opções são muitas, mas nenhuma parece realmente melhor que o passado recente. Longe de um sistema assente em democracias liberais, e um mecanismo consensual de resolução de diferendos, todas as opções estão em aberto e todos os fantasmas do passado estão prontos para entrar em cena, e desejosos de o fazer.

Despedimo-nos da herança da Segunda Guerra com um adeus quase de saudade. A implacável “política real” já chegou ao extremo de o Secretário-Geral da ONU ser declarado “persona non grata” pelo governo de Israel, no meio de um conflito onde não conseguiu ter qualquer papel relevante. Movemo-nos num ambiente viscoso de que se não vislumbra o fim. Como num pântano. É difícil evitar a provocação: onde é que já ouvimos isto?

Ana Gomes: “Rixas há imensas no Martim Moniz. Mas também há entre adeptos de diferentes clubes, e não os vejo a ser encostados à parede”

“Há uma grande insensibilidade nas palavras do Almirante. O investimento nas forças armadas não deve ser feito à custa do Estado Social, mas da sinergia com o resto da Europa”, é assim que Ana Gomes abre o seu espaço de comentário esta semana. Referindo-se à entrevista dada pelo possível candidato às presidenciais no festival de podcasts do Expresso deixa outras sugestões para a gestão das forças armadas, tema premente num mundo que se mostra cada vez mais instável desde as declarações de interesse expansionistas de Donald Trump quanto à Gronelândia, Canadá e Panamá. Há ainda tempo para comentar as rixas recentes no Martim Moniz e a manifestação contra o racismo deste sábado, como os avanços recentes da lei aos solos no Parlamento. Ouça aqui o programa em podcast, emitido na SIC Notícias a 12 de janeiro.

A opinião de Ana Gomes. Ao domingo à noite tem encontro marcado na SIC Notícias para analisar os temas que marcam a semana. Ouça mais episódios:

O que é isso de revolução sexual? (1)

Regressemos a Rob Henderson e à sua expressão “convicções de luxo”. No seu artigo, Henderson explica que a ideia surgiu quando uma colega da Universidade de Yale lhe disse que “a monogamia se tinha tornado obsoleta e não seria boa para a sociedade”. Considerando a complicada infância que tinha tido, Henderson ficou surpreendido com esta posição e perguntou à colega pelo seu contexto familiar e se planeava casar. E, sim, a colega vinha de uma família estável e rica e pretendia ter um casamento monogâmico – “mas acrescentou rapidamente que o casamento não tem de valer para todos”.

Considerar que todas as estruturas familiares são igualmente válidas – uma posição que as elites intelectuais progressistas tendem a defender – constitui, para Henderson, uma típica convicção de luxo: uma ideia que defendemos para nos dar prestígio social, mas que, consideradas as suas consequências negativas, não pretendemos pessoalmente pôr em prática. Contudo, como são defendidas pelas elites, estas ideias tendem a influenciar a cultura e as normas sociais pelo que os seus impactos passam a ser sentidos pelas classes socais mais desfavorecidas.

É precisamente o que acontece com a desvalorização social do casamento enquanto compromisso estável e duradouro entre duas pessoas. Afinal,

“[o]s dados provam que as famílias com dois pais casados são as mais benéficas para as crianças pequenas. E, no entanto, é mais provável que pessoas ricas, educadas e criadas por dois pais casados defendam que a monogamia está ultrapassada, o casamento é uma farsa ou que todas as formas familiares são iguais.”

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Brad Wilcox, diretor do National Marriage Project da Universidade da Virginia e que publicou, em 2024, o livro Get Married: Why Americans Must Defy the Elites, Forge Strong Families, and Save Civilization, denuncia esta atitude das elites como uma terrível hipocrisia:

“Muitas elites – professores, jornalistas, educadores e outros formadores de cultura – desconsideram ou negam publicamente a importância do casamento, da família de dois pais e o valor de fazer tudo o que for possível para “ficar juntos para o bem das crianças”, apesar de, em privado, valorizarem cada uma destas coisas. Em matéria de família, “falam à esquerda”, mas “andam à direita” – uma forma invulgar de hipocrisia que, por muito bem-intencionada que seja, contribui para a desigualdade norte-americana, aumenta a miséria e raia o imoral.”

Para compreendermos de que modo a ideia da obsolescência do casamento se popularizou entre as elites progressistas norte-americanas, temos de regressar às décadas de 1960 e 1970 e identificar o espírito de contracultura daqueles anos. No Ocidente, a geração que tinha nascido após a segunda guerra mundial revoltava-se contra os valores conservadores da chamada “geração silenciosa”, que tinha, silenciosamente, sofrido o impacto das guerras e triunfado. Nascidos num conforto material incomparável, esses jovens chegaram às universidades desejosos de mais liberdade e igualdade e indisponíveis para participar em incursões militares. A revolta era direcionada contra as hierarquias e todas as formas de manifestação de poder e autoridade, entendidas como opressoras da liberdade individual – um sentimento consagrado em Paris com um dos slogans mais relevantes do Maio de 68: “É proibido proibir.”

No meio académico, as influências combinavam princípios marxistas, intuições estruturalistas e, em particular, a defesa freudiana da libertação das pulsões biológicas, nomeadamente sexuais – uma mistura representada especialmente bem por Herbert Marcuse, considerado o pai da Nova Esquerda.

É este espírito de libertação que dá forma à designada revolução sexual, que visava libertar corpos e mentes das regras sociais que determinavam o que era ou não admissível na esfera do corpo, nas relações e na família. E libertaria, em particular, a mulher, como proclamado por Germaine Greer, em 1970, com a publicação de The Female Eunuch.

Estávamos em plena segunda vaga do feminismo e, nesse contexto, a família era apresentada como estrutura social particularmente opressora para a mulher, em resultado da sua essência burguesa e patriarcal. Emancipar a mulher e garantir a sua condição de igualdade parecia assim requerer uma redefinição (para alguns, mesmo a destruição) da instituição familiar, para que desses escombros pudessem surgir novas formas de organização menos sujeitas à lógica do “casamento tradicional”. Foram estas ideias que se tornaram culturalmente populares, simbolizando a abertura de espírito e o avanço do arco moral em direção ao progresso e que continuam a ser usadas pelas elites intelectuais e económicas para simbolizar o espírito progressista.

No entanto, ao mesmo tempo que tinham este discurso público, as elites continuaram a constituir família no contexto de um casamento monogâmico e estável, com o seguinte resultado registado nos Estados Unidos: desde a década de 1960, os casamentos diminuíram, os divórcios aumentaram e as famílias monoparentais multiplicaram-se… em particular nas classes trabalhadoras e pobres. E é esta discrepância que tem vindo a ser designada como “gap familiar” entre os mais ricos e os mais pobres, com especiais consequências para as crianças. Como diz o sociólogo Andrew Cherlin: “São os norte-americanos privilegiados que se casam, e o casamento ajuda-os a manterem-se privilegiados”.

Esse fosso familiar é tão evidente que Melissa Kearney publicou, em 2023, um livro intitulado The Two-Parent Privilege para revelar como a questão familiar constitui um dos fatores mais relevantes do problema das desigualdades económicas nos Estados Unidos. De facto,

“a investigação mostra que as crianças de lares com pais casados tendem a apresentar menos problemas de comportamento, a ter menos sarilhos na escola ou com a lei, a atingir níveis de educação mais elevados, a obter rendimentos mais elevados e a ter taxas mais elevadas de casamento.”

E, como já vimos, as consequências são ainda mais graves para os rapazes. De acordo com o Institute for Family Studies, os jovens que cresceram sem a presença do pai biológico estão mais ausentes das universidades e do mercado de trabalho e mais presentes nas prisões.

O tema não é, na verdade, novo. Em 1965, Daniel Patrick Moynihan publicou o famoso Relatório Moynihan (que se tornaria politicamente inaceitável) e Isabel Sawhill dedicou décadas de investigação à causa familiar (há quem entenda que o livro Generation Unbound, publicado em 2014, é a sua desistência). Mas a consistência dos estudos que continuam a ser feitos e uma certa resposta contra-cultural têm permitido colocar o assunto na ordem do dia com mais pertinência.

Consideremos o trabalho de Brad Wilcox em torno da designada “sequência de sucesso” para que uma nova narrativa cultural substitua aquela que desvaloriza o casamento. De acordo com as suas investigações, a melhor forma de os membros das classes pobres aumentarem a sua mobilidade social é percorrerem os seguintes passos: 1) terminar, pelo menos, o ensino secundário; 2) trabalhar a tempo inteiro enquanto se está na casa dos 20 anos; e 3) casar antes de ter filhos. Esta é também a melhor fórmula de evitar que as crianças cresçam em contexto de pobreza.

Esta nova narrativa deveria, assim, ser enquadrada nas reflexões mais amplas de combate à pobreza, e é particularmente importante entre as classes mais desfavorecidas e com menos estudos. Como os investigadores notam, nos meios mais abastados, os pais tendem a esforçar-se mais para manter o casamento, mesmo com todas as dificuldades e problemas pessoais, por causa das crianças. É junto dos outros grupos sociais que o divórcio é mais recorrente.

Mas o casamento não constitui apenas uma vantagem económica: de acordo com o estudo realizado por Sam Peltzman sobre “demografia social e política da felicidade”, as pessoas casadas são mais felizes do que as solteiras; outro estudo revela que o casamento parece ajudar a prevenir as “deaths of despair”; e Kay Hymowitz remete para “o inextinguível impulso humano para a união de pares” que ajuda a explicar a persistência da família nuclear ao longo da história da humanidade e a satisfação por ela gerada.

Existem, claro, situações graves em que o casamento não se deve manter – em particular quando há crianças envolvidas (o argumento funciona, nesses casos, ao contrário). Mas, sessenta anos volvidos sobre a alegria esfuziante e libertadora da revolução sexual, estamos hoje no momento de reavaliar as suas consequências e compreender melhor o preço que, como indivíduos e sociedade, estamos a pagar, nomeadamente, na perda de sentido e felicidade.

Afinal, como diz Christine Emba, no seu maravilhoso Rethinking Sex: “Podemos desejar liberdade hoje, mas queremos sentido amanhã e para o resto das nossas vidas.”

Real Madrid-Barcelona, 2-5: Culés demasiado fortes limpam a Supertaça

O Barcelona foi demasiado forte para o Real Madrid em Jedá, na Arábia Saudita, e ali conquistou pela 15.ª vez a Supertaça de Espanha. Ninguém arrecadou mais vezes o troféu! Hansi Flick, esse, provou ser uma espé…

Por Nuno Pombo

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Crise na Educação em Portugal: uma geração em risco

Portugal enfrenta um paradoxo preocupante no seu sistema educativo. Apesar de celebrarmos taxas recordes de jovens a concluir o ensino superior, a realidade nas escolas pinta um cenário inquietante: estamos a formar uma geração de alunos com diplomas, mas sem a devida preparação para os desafios do mundo real.

Esta constatação não se baseia em meras impressões. Testemunhei em primeira mão, como orador num webinar recente da Direção-Geral da Educação, o fosso abissal entre as estatísticas otimistas e o panorama desolador que se vive nas salas de aula. Os resultados dos testes PISA e TIMSS, que avaliam o desempenho dos estudantes portugueses em comparação com outros países, são incontestáveis: estamos em queda livre.

O relatório “Estado da Nação” corrobora esta preocupante realidade, evidenciando a fragilidade do nosso sistema educativo. O Conselho Nacional de Educação (CNE) alerta para a gravidade da situação: alunos progridem nos seus percursos académicos sem dominarem competências essenciais de Português e Matemática, colocando em causa a sua capacidade de aprendizagem futura. Esta falha, particularmente notória nos primeiros anos de escolaridade, condena muitos jovens a um ciclo de dificuldades e frustrações.

Agrava-se este cenário a postura retrógrada da atual liderança do CNE, que teima em apresentar propostas anacrónicas e desalinhadas face às necessidades prementes da educação no século XXI. As políticas educativas dos últimos anos, fortemente influenciadas por esta visão obsoleta, conduziram a resultados desastrosos, perpetuando um ciclo vicioso de mediocridade.

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O facilitismo que se instalou no sistema educativo português, com a promoção automática e a ausência de consequências para o insucesso escolar, desvalorizou o mérito e a cultura do esforço. A falta de rigor na avaliação e a tolerância à mediocridade criaram uma geração de estudantes desprovidos de ferramentas essenciais para o sucesso académico e profissional.

É imperativo que Portugal promova uma verdadeira revolução na educação, quebrando com os dogmas do passado e construindo um novo paradigma. Uma educação que valorize o esforço e o mérito, reconhecendo e premiando o trabalho árduo e a dedicação dos alunos, incentivando-os a alcançar o seu máximo potencial. Que estabeleça padrões de exigência claros e mensuráveis, definindo metas ambiciosas e implementando mecanismos de avaliação rigorosos que permitam monitorizar o progresso dos alunos de forma transparente. Uma educação que prepare os alunos para os desafios do século XXI, dotando-os das competências essenciais para navegar num mundo em constante mudança, com foco no pensamento crítico, na criatividade, na colaboração e na capacidade de adaptação. Que implemente métodos pedagógicos baseados em evidências científicas, abandonando as ideologias e modismos, e privilegiando abordagens pedagógicas comprovadamente eficazes.

A educação em Portugal não pode continuar refém de ideias ultrapassadas. É crucial uma liderança educativa visionária, capaz de interpretar os desafios contemporâneos e de implementar reformas estruturais profundas. O futuro do país depende de uma educação de qualidade, que forme cidadãos capazes, críticos e responsáveis, e não de diplomas vazios que mascaram uma geração perdida.

Elon Musk deve fazer política ou ser silenciado?

A questão de saber se os apoios e críticas declarados por Elon Musk no X constituem um abuso de influência ou um exercício legítimo da liberdade de expressão assenta em dilemas filosóficos mais profundos que um tweet. O vasto alcance de Musk permite-lhe moldar o discurso público de maneiras que poucos indivíduos conseguem, deixando-nos polarizados quanto às restrições de tal poder. Contudo, limitar a sua voz ameaça o princípio fundamental da liberdade de expressão?

Este dilema pode ser analisado através de duas perspectivas aparentemente contrastantes: a defesa apaixonada de Voltaire pela liberdade de expressão, e o rigoroso enquadramento moral de Kant.

Para Voltaire, o direito de expressar ideias, independentemente de serem controversas ou disruptivas, é o cerne da liberdade. Poderia argumentar que a influência de Musk, embora vasta, é simplesmente uma extensão natural da sua liberdade de se exprimir. Afinal, quem tem o poder de reivindicar o direito de decidir quais as vozes demasiado altas ou influentes? Provavelmente, Voltaire até celebraria as provocações de Musk, vendo-as como catalisadoras de diálogo, debate e, em última instância, do refinamento de ideias. Se os críticos de Musk consideram as suas palavras perigosas, não deveriam enfrentá-las com argumentos mais fortes, ao invés de pedirem o seu silêncio coercivo? Todavia, será possível defender estes axiomas num mundo tão diferente daquele do qual onde Voltaire os formulou?
A praça pública do século XVIII, idealizada por Voltaire, era um espaço de relativa igualdade, onde as ideias competiam abertamente. A plataforma de Musk, contudo, não é uma mera tribuna; é um megafone ouvido por centenas de milhões, amplificado por algoritmos que privilegiam o envolvimento em detrimento da razão. Poderá esta disparidade distorcer os princípios que Voltaire procurava proteger? Pode uma única voz, amplificada pela tecnologia, silenciar o coletivo? E, se sim, permitir uma influência tão desmedida serve a liberdade, ou corrói o próprio discurso que Voltaire tanto valorizava?

Já Kant, abordaria as ações de Musk com uma crítica diferente, enraizada na sua crença no dever moral e no respeito mútuo universal. O imperativo categórico de Kant — a ideia de que devemos agir apenas de formas que possam ser universalizadas — exigiria que Musk considerasse as implicações mais amplas das suas declarações. Será ético para alguém na posição de Musk, com uma influência incomparável, apoiar ou criticar líderes mundiais, sabendo que as suas palavras podem moldar eleições e percepções públicas? Para Kant, esta não é uma questão de direitos, mas de responsabilidades. A liberdade de expressão, na sua visão, não é uma licença absoluta; deve ser exercida de forma a respeitar a autonomia dos outros e a preservar a integridade dos processos democráticos.
Ainda assim, o enquadramento de Kant, embora nobre, apresenta os seus próprios desafios. Como se definem os limites da responsabilidade sem infringir a liberdade? Exigir que Musk seja sujeito a um padrão mais elevado por causa da sua influência restringe injustamente a sua autonomia? E quem decide o que constitui dano ou manipulação? A exigência de Kant por princípios universais corre o risco de nos mergulhar no paternalismo, sugerindo que os eleitores carecem de capacidade para discernir a verdade da influência. Mas, se assumirmos a sua autonomia, isso não implica que Musk tenha o mesmo direito de se expressar como qualquer outro indivíduo, independentemente do seu alcance?

Este debate deixa-nos, felizmente, com mais perguntas do que respostas. Se ficarmos ao lado de Voltaire, teremos de lidar com as consequências de uma influência desenfreada num mundo onde as plataformas amplificam vozes de forma desigual. Apoiando Kant, arriscamo-nos a introduzir padrões vagos de responsabilidade que podem sufocar a expressão e tender para a censura.

Talvez o verdadeiro desafio não esteja em escolher entre liberdade e responsabilidade, mas em redefini-las para a era digital. Que tipo de sociedade desejamos cultivar — um mercado caótico de ideias, onde todas as vozes, por mais altas que sejam, competem livremente? Ou uma onde aqueles com grande poder são sujeitos a padrões mais elevados, mesmo à custa da sua liberdade? A resposta, talvez, resida no meio da tensão entre estes ideais, uma tensão que reflete a própria natureza da democracia.

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Bairros de lata na Grande Lisboa Sim, existem

Muitos se recordam da vergonha e do desconforto que sentíamos, quando entrávamos em Lisboa,  vindos do norte, e nos deparávamos com bairros de lata onde a degradação urbana e a pobreza das  pessoas que ali viviam era evidente. Muito se fez nos anos 90 para contrariar essa tendência, na  criação de bairros sociais que efetivamente alojaram milhares de pessoas, mas que criaram novos  problemas cujas consequências hoje em dia estão à vista. Assim, alguém que não conheça a atual  realidade, pode pensar: não existem mais bairros de lata em Lisboa! Mais, não há mais barracas na  Área Metropolitana de Lisboa, construídas de forma desordenada e onde a pobreza, falta de higiene e  a insegurança são a consequência natural deste contexto.

Lamentamos informar, mas não! É uma situação que permanece! Não talvez em Lisboa, concelho,  mas por toda a Área Metropolitana de Lisboa, em particular no de Almada. Desde que Inês de  Medeiros, do Partido Socialista, assumiu a presidência da Câmara Municipal de Almada em 2017, e  com a conivência do PSD, veio ao de cima a sua incapacidade em lidar com os problemas estruturais  de Almada, sobretudo no que diz respeito à habitação e ao crescimento de bairros clandestinos.  Enquanto a CDU deixou a sua marca de negligência ao longo de quatro décadas, com o crescimento  dos bairros do 2.º Torrão e das terras de Lelo Martins (vulgarmente conhecido por Terras da Costa), e  o BE promove a ocupação ilegal de casas municipais para beneficiar de narrativas políticas e manipulação de eleitorado, o atual executivo PS agravou a situação, permitindo o descontrolo total em  bairros como a Penajóia e tratando de forma desumana as populações vulneráveis nos outros dois  bairros.

Recentemente e apenas por motivos de segurança, devido ao risco de derrocada de parte do bairro,  parte da população do 2.º Torrão teve de ser realojada. A abordagem de Inês de Medeiros no  realojamento das famílias do 2.º Torrão foi marcada pela pressa, pela insensibilidade e pela falta de  planeamento. O PS, sob o pretexto de garantir a segurança pública, avançou com demolições  apressadas em 2022, deixando dezenas de famílias desalojadas ou colocadas em habitações  temporárias longe das suas redes de apoio. O mesmo padrão de negligência verificou-se nas Terras  da Costa, onde o problema da precariedade habitacional permanece inalterado. Este governo local  falhou em tratar estas populações com dignidade, preferindo uma abordagem cosmética que privilegia  o “apagar de fogos” mediáticos, ao invés vez de soluções reais e integradas.

Porém, o maior símbolo da incompetência da liderança socialista é, sem dúvida, o bairro da Penajóia.  Nos últimos anos, o bairro cresceu de forma desordenada. O município assistiu de forma impávida e  serena ao crescimento de construções clandestinas. Imagine-se o efeito perverso de, no próximo ciclo eleitoral autárquico, abordar a população da Penajóia com a promessa de novas casas quando, na  verdade, a CMA teve a oportunidade de estancar o problema. É desconcertante. Na semana do Natal  de 2024, a falta de eletricidade no bairro expôs a verdadeira face do desleixo do executivo PS: famílias  deixadas ao frio, numa altura crítica do ano, sem respostas nem assistência.

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Apesar de estar localizado em terrenos do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), é  à Câmara que cabe a responsabilidade de fiscalizar, coordenar e intervir. No entanto, Inês de Medeiros  e o seu executivo têm assistido passivamente à expansão descontrolada da Penajóia, permitindo que  o bairro se transforme num exemplo de exclusão social e falta de dignidade humana.

Esta inação do PS contrasta com as promessas eleitorais de mudança e modernização. Em vez disso,  o mandato de Inês de Medeiros, acolitada pelo PSD, ficará marcado pela incapacidade de tomar  decisões corajosas e eficazes para resolver um problema que não pode mais ser ignorado.

Perante este cenário, Almada precisa urgentemente de uma visão política que vá além da mera gestão  do presente. É preciso pensar em quais as respostas que o município pode dar a uma população que  dificilmente terá meios para, no curto prazo, entrar no mercado da habitação. A política de construção  de bairros sociais, verdadeiros guetos, é insuficiente no que diz respeito à integração das pessoas na  comunidade. Assim, importa estimular parcerias público-privadas para requalificar áreas degradadas,  sem sacrificar o direito à segurança e à habitação digna, mas que responsabilize, ao mesmo tempo,  os moradores pela falta de civismo e até vandalização do edificado.

Igualmente, os serviços municipais, suportados com os impostos dos munícipes, da mesma forma que  fiscalizam e obstaculizam as centenas ou milhares de vivendas que estão a ser construídas de forma  legal em Almada, devem ser direcionados para impedir o crescimento dos atuais bairros e o surgimento  de novos. Com isto, os agentes públicos que falham em cumprir o seu papel devem ser  responsabilizados. Os realojamentos que ocorrerem, de forma a não criarem novos guetos, devem  prever o acesso a transportes, saúde, educação, e, sim, segurança. A ausência da autoridade do  Estado, naquilo que este é realmente necessário, a saber, a proteção das pessoas e dos bens públicos  e privados, é o que produz episódios de violência como os que assistimos recentemente em toda a  Grande Lisboa, também em Almada, mais concretamente no Monte da Caparica. Não podemos cair  nos mesmos erros e daqui a alguns anos nos chocarmos com episódios de violência que ocorram em  novos guetos.

Por fim, dar espaço para a criação de oportunidades para que as populações vulneráveis possam  ascender social e economicamente, e isto faz-se, a médio/longo prazo, por via da educação, mas, no curto prazo, no apoio à criação do pequeno negócio local. Seja pela responsabilidade de manter um  imóvel, seja pela responsabilidade de gerir um pequeno negócio que permita o sustento do seu dono  e de mais alguém da comunidade local, esta é a forma mais eficaz de criar um dinamismo e uma  consciência tal que ajudará a integrar as pessoas e desviar muitos da exclusão e da criminalidade.

O que foi descrito para Almada, poderia ser descrito para outros concelhos da Área Metropolitana de  Lisboa, pois a realidade é a mesma. Substituir Almada por Seixal, Loures ou Amadora não resultaria  num texto muito diferente. Tal deve-se a um traço comum – as políticas locais falhadas do PCP e do  PS, que, desde o 25 de Abril, governam estes municípios, alternando a negligência de uns com a  incompetência de outros. À gestão do PCP em alguns destes concelhos, sucederam-se executivos do  PS que perpetuaram problemas e assistiram, de braços cruzados, ao colapso da dignidade  habitacional nestes concelhos. Só uma nova abordagem, assente na responsabilidade política dos  eleitos, das pessoas e na liberdade individual destas, poderá reverter um cenário que, tal como no  passado, mas talvez mais escondido, nos envergonha a todos.

Marine Le Pen diz que “nunca se perdoará” por ter expulsado pai do partido

A líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, afirmou este domingo que “nunca se perdoará” por ter expulsado o pai, Jean-Marie Le Pen, do partido Frente Nacional, atualmente designado de União Nacional.

“Nunca me vou perdoar por esta decisão, porque sei que lhe causou uma imensa dor”, disse Marine Le Pen, numa entrevista ao Journal du Dimanche, referindo-se ao pai, que morreu na terça-feira aos 96 anos.

Quatro anos depois de suceder ao pai na liderança da Frente Nacional, Marine Le Pen decidiu, em 2015, exclui-lo do partido, retirando-lhe o título de “presidente honorário”, depois de ele ter afirmado que “a ocupação da Alemanha [nazi] não tinha sido particularmente desumana”.

“Tomar esta decisão foi uma das mais difíceis da minha vida. E até ao fim da minha vida perguntar-me-ei sempre: poderia ter feito diferente?”, questionou Marine Le Pen.

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A falência da confiança no Estado: o caso do Fundo Ambiental

A confiança no Estado é um dos pilares fundamentais para o funcionamento de qualquer sociedade moderna. Quando o Estado e o Governo falham repetidamente no cumprimento dos seus compromissos, o tecido social é corroído, gerando descrédito, desconfiança e, acima de tudo, uma sensação de abandono dos cidadãos pelas instituições.

O caso da falta de pagamento do Fundo Ambiental em Portugal é mais um exemplo flagrante de como o Estado falha nos seus deveres fundamentais, comprometendo não só a execução de políticas públicas, como também a própria legitimidade das suas instituições.

O Fundo Ambiental, criado em Portugal como instrumento de apoio à transição energética, proteção ambiental e combate às alterações climáticas, deveria ser uma peça-chave no financiamento de projetos que contribuem para a sustentabilidade e o cumprimento das metas ambientais internacionais. Alimentado principalmente por receitas provenientes de taxas ambientais, como a fiscalidade sobre combustíveis e emissões de carbono, o fundo é, na prática, financiado pelos próprios cidadãos e empresas. É gerido pela Secretaria-geral do Ministério do Ambiente e Acção Climática.

Este mecanismo, se funcionasse adequadamente, deveria garantir que os recursos arrecadados fossem reinvestidos em benefício da sociedade, seja na promoção de energias renováveis, na melhoria da eficiência energética ou na recuperação de ecossistemas. Para o português comum, que teve de avançar com o capital e espera o reembolso, serve para combater a pobreza energética aplicando janelas, painéis solares, recuperadores de calor, e por aí fora.

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No entanto, em 2023, Portugal prometeu pagamentos que deveriam ter sido realizados no início de 2024. Estamos agora em 2025, e os beneficiários continuam sem receber um único cêntimo.

A inércia e a incapacidade do Estado português em honrar os seus compromissos como o Fundo Ambiental são um reflexo de uma governação disfuncional que mina os princípios mais básicos de uma nação bem-sucedida. O problema é o Estado e a sua organização visto que parece pouco interessar se a cor política é PS ou PSD.

Portugal, neste caso, parece estar a trilhar o caminho da falência das instituições, a raiz do colapso de uma sociedade. Quando um governo não consegue cumprir um compromisso tão básico como transferir fundos já arrecadados e prometidos, o que impede que falhe em questões mais críticas?

Não, esta falha não é meramente administrativa; ela reflete a degradação da relação de confiança entre Estado e sociedade. Entre o Estado e as pessoas. E quando a confiança é quebrada, a legitimidade também o é.

O atraso de mais de um ano no pagamento do Fundo Ambiental gera, a meu ver, um impacto grave e abrangente:

1. Prejuízo aos beneficiários: Os projetos ambientais que dependem destes recursos ficam paralisados, comprometendo o progresso em áreas cruciais como a transição energética e a mitigação das mudanças climáticas. Empresas e cidadãos que investiram tempo e dinheiro com base numa promessa estatal são fortemente penalizados.

2. Erosão da confiança: Como podem hoje os cidadãos acreditar na palavra do Estado quando as suas ações desmentem as suas intenções? A confiança é construída com base na previsibilidade e na credibilidade, ambas destruídas neste caso.

3. Riscos macroeconómicos e reputacionais: Portugal apresenta-se como um país comprometido com os objetivos ambientais globais, mas internamente falha na execução das suas políticas. Este comportamento pode afetar o acesso a fundos europeus e manchar a reputação do país.

A incapacidade de cumprir prazos de pagamento é mais do que uma questão burocrática; é uma demonstração de incompetência e de um profundo desrespeito pelas pessoas.

Os governantes que prometem, mas não cumprem, traem o contrato social e perpetuam um ciclo de desconfiança e apatia que paralisa a sociedade. Pior ainda, o atraso contínuo sem explicações claras ou planos de correção reforça a sensação de que o Estado português está cada vez mais afastado dos cidadãos.

Para evitar que Portugal caia na armadilha das nações falhadas, é imperativo que o governo tome medidas urgentes para restaurar a confiança no Fundo Ambiental e, por extensão, no próprio Estado. O pagamento imediato dos valores devidos é o primeiro passo, mas não pode ser o único.

É fundamental reduzir o tamanho do Estado para melhorar a sua eficiência. Criar mecanismos de fiscalização independentes para garantir a transparência na gestão dos fundos públicos; Estabelecer prazos vinculativos com penalizações em caso de incumprimento por parte do Estado; Reforçar a comunicação com os cidadãos, apresentando relatórios claros e atualizados sobre a utilização dos fundos.

Portugal tem a oportunidade de reverter esta tendência de falhas sistémicas, mas isso exigirá vontade política, competência administrativa e um compromisso real com os princípios de confiança e responsabilidade. Aquilo a que se chama uma reforma.

Sem estas mudanças, o Fundo Ambiental será apenas mais um símbolo de promessas vazias, e o Estado continuará a afastar-se do seu papel como pilar de estabilidade. A confiança no Estado é um bem precioso. Perdê-la, como estamos a testemunhar, terá um preço demasiado alto a pagar.

Dakar’2025: Perdidos do deserto

Opinião do piloto João Ferreira (Mini):

Por João Ferreira

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