Mais freguesias ou dar um passo em frente e dois atrás
Vivemos entre fazer as reformas porque nos obrigam, para conseguirmos empréstimos ou apoios da União Europeia, e desfazer reformas frequentemente para conquistar votos quando se está em minoria no Governo ou quando se aproxima um acto eleitoral. O caso do “agrega, desagrega freguesias” é um exemplo desse “vai vem” que nos persegue, como se fosse um fado dar um passo à frente para, depois, dar dois atrás. O problema não está na decisão de regulamentar uma lei, conhecida como Lei Relvas. Está na falta de rigor com que se faz, esquecendo-se o serviço aos cidadãos.
Em 2021 – também em ano de autárquicas – mas já sem ir a tempo de se concretizar – , o Governo de António Costa faz aprovar um diploma que “define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias”. É aqui que estão os critérios que estão na base do que vai ser decidido esta semana no Parlamento, aumentando o número de freguesias do País.
A agregação das freguesias pode ter sido feita à “marretada” como disse o Presidente da República, na altura comentador, sobre o diploma que ficou conhecido como “Lei Relvas”, uma vez que foi liderada pelo então ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares do governo de Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas. Mas a legislação de 2021 acaba por ser demasiado permissiva, abrindo, por exemplo, a possibilidade de se criar uma freguesia com pelo menos 750 eleitores ou apenas 250 no interior do País.
No quadro dos serviços à comunidade definem-se cinco critérios devendo ser cumpridos quatro (três no interior): equipamento desportivo; equipamento cultural; parque ou jardim público; serviço associativo de proteção social a seniores ou a pessoas com deficiência; uma coletividade que desenvolva atividades recreativas, culturais, desportivas ou sociais. O que vemos aqui é o pode central a incentivar a proliferação de equipamentos culturais e desportivos em vez de promover os ganhos de escala para que tenham qualidade e massa critica. Claro que já não vamos a tempo de impedir o que já se fez, mas os governos podiam e deviam tentar corrigir esses incentivos perversos, de aproveitar o dinheiro de Bruxelas, que nos inundaram de equipamentos fechados boa parte do tempo ou mal equipados por falta de dinheiro para a sua operação.
Depois olhamos para os critérios de eficácia e eficiência da gestão pública e o que se pede é um relatório que “deve ter em conta a viabilidade económico-financeira das freguesias, a demonstrar em relatório financeiro”.
Enfim, foi este diploma que deu origem ao aumento do número de freguesias que vai agora ser aprovado numa propostas conjunta de PSD, PS, PCP, BE, Livre e PAN e que irá permitir que 132 freguesias se transformem em 296. São aliás caricatos os exemplos do que tem de ser resolvido. Por exemplo, uma união de freguesias que venha a ser desagregada e tenha apenas um autocarro, apenas uma ficará com ele, pagando depois à outra que, obviamente terá de comprar outro.
A deficiente análise do impacto social, económico e financeiro desta desagregação mostra bem como é que acabamos a reverter reformas – que até podem ter sido mal feitas – sem qualquer preocupação de fazer melhor. A prestação de serviços aos cidadãos requer a conciliação entre a proximidade e a necessidade de escala em alguns serviços, para que eles sejam devidamente prestados. Não vemos esse cuidado nesta avaliação.
Claro que uma das consequências desta desagregação é o aumento do número de cargos político-partidários – haverá mais equipas para as novas juntas e assembleias de freguesia. Não parece ter existido no diploma de 2021 a preocupação de impedirem que o incentivo prevalecente fosse o da busca de mais lugares para os militantes dos partidos. E a decisão agora tomada tinha todos os ingredientes para ser permissiva, já que é tomada numa altura em que estamos a poucos meses das eleições autárquicas – que vão decorrer em Setembro ou Outubro. E, claro, nenhum partido com ambições autárquicas quer ser demasiado exigente quando os seus correligionários locais querem mais freguesias.
Em 2013, o número de freguesias foi reduzido de 4.260 para as atuais 3.092, desapareceram 1168 freguesias. Agora vamos somar mais 296. Temos de estar satisfeitos por não se ter regressado totalmente ao passado. Mas estas decisões precisam de ser mais racionais e menos ditadas pelo oportunismo partidário, ou andaremos sempre a fazer mudanças a correr, por mando dos outros, seja por falta de dinheiro ou para agradar aos aparelhos dos partidos.