Nem só de emoção e alma se faz Conceição
Chegar, ver, cancelar a folga… e vencer. Assim se pode resumir a chegada de Sérgio Conceição ao Milan. Oitava Supertaça italiana no palmarés do emblema rossoneri e primeiro troféu do treinador português, dois jogos e uma semana após a chegada ao país que o viu brilhar ainda com a bola nos pés.
Taticamente, pouco se viu da equipa. Pudera, foram poucos treinos e imperava mudar-se a mentalidade primeiro. Foi bem visível ao que o ex-FC Porto vinha: agressividade, regras e compromisso, numa abordagem quase militar.
“Tiki-taka é meter a bola lá dentro”, chegou a dizer na sua primeira conferência de imprensa como treinador do Milan, deixando bem claro que importa vencer, deixar tudo em campo, sendo a estética associada à vitória relegada para segundo plano.
É um contraste com Paulo Fonseca, mas também com Arrigo Sacchi, uma das lendas maiores do clube milanês que ainda há dias disse à Renascença que para ele “o futebol era fantasia”.
Ainda lembrando o mítico italiano, é na abordagem defensiva que encontramos mais parecenças a Sérgio Conceição. Futebol agressivo e todos os jogadores ligados à corrente, independentemente da posição e do estatuto. Já era assim no FC Porto.
No banco, viu-se intervenção através de gritos, gestos e stress, uma forma de estar que conquistou os jogadores e também a estrutura. Zlatan chegou a afirmar que com o novo treinador, ele é quem dá as festinhas aos jogadores, Sérgio é quem grita.
“Não vim para fazer amigos, mas para ganhar”, afirmou após eliminar a Juventus, corroborando a versão do sueco. Em vídeo partilhado nas redes sociais, percebe-se que a fúria ao intervalo do treinador português custou uma televisão ao balneário saudita.
E daqui passamos para o aspeto tático…
Porque a raiva de Sérgio Conceição tem uma explicação: perdia ambos os jogos ao intervalo, e em ambos a sua linha defensiva deixou a desejar. No jogo com a Juventus, Theo Hernández não conseguiu fechar o espaço entre a baliza e o seu extremo, levando a que a sua equipa ficasse em desvantagem. Frente ao Inter, e em cima do apito final da primeira parte, a equipa vê-se numa situação desprotegida num lançamento lateral aparentemente inofensivo. De deixar um treinador em estado de fúria.
Com bola, a equipa esteve amarrada e quase toda a posse que teve foi entre a linha defensiva. Chegando à largura, sempre que houve possibilidade de procurar costas, a equipa fê-lo.
De forma inteligente, o treinador português percebeu que não conseguiria mudar o jogo da equipa em tão pouco tempo. Então, aproximou-a do golo com constantes movimentos de ruptura dos médios, do avançado e dos extremos, com lançamentos longos que permitissem situações de 1×1 ou de cruzamento.
Não será assim o Milan de Conceição para sempre, mas, por enquanto, veremos máxima intensidade sem bola, confessou Morata. Só assim foi possível virar dois jogos que pareciam perdidos. Alma, garra e muita determinação, foi o que o português devolveu aos rossoneri.
Por último, o incontornável Rafael Leão. No novo Milan não será refém de estruturas posicionais que o amarram à linha. Percebeu-se pelos 40 minutos que esteve em campo que será sempre um 10, vagabundo, que, apesar de partir da esquerda, pode pisar os terrenos que mais lhe aprouverem.
O lance que dá o título nasce de um movimento de ruptura do internacional português na direita que se transforma numa assistência para Abraham. Porque nem só de emoção e alma se faz Conceição, também no campo a vitória teve o seu dedo…
* Afonso Cabral é comentador Bola Branca